7.4.07

...Cabo Quente

Nessa época, o Carnaval da Ilha de Cabo Quente ainda acendia suas luzes. A maior delas, sempre, o holofote do sol... O céu, coadjuvante, costumava vir de Azul Profundo de dia, e de Estrelas Faiscantes à noite. E, qualquer (e aonde quer) que fosse a crise, sempre baixava à terra, nessa época, uma turistada desorientada. Agtos precisava ver, com esses olhos que a terra (ou o mar...) haveriam de comer, em que banda, afinal, Lora tocava!... Ou, talvez (ah, esses masoquismos!...), quem, afinal, tocava na banda de Lora.
Entre astronautas e marcianos, tirolesas e trogloditas, beijo na boca e mão nisso ou naquilo, Agtos encontrou, na Assunção, a desmedida Lora. Quando ela já se derretia à frente de sua Estátua, Agtos retirou tudo (a fantasia...) e gritou: – “Te peguei!”

Pois não é que Lora já ia pegar também?... – “Agtos! Você aqui? Assim, todo enrijecido, quase uma estátua?!...” Agtos dispensou apelos românticos e acusou: – “Sei de tudo! Você abandonou o meu lar!...” Ela, reconhecendo: – “Exatamente porque não era o meu...” Momento de tensão... Pausa dramática... Quase silêncio, não fosse Carnaval... Mas a orquestra sempre toma providência e, nesse instante, atacou de “Alalaô, ô, ô, ô, ô, ô, ô!... Mas, que calor, ô, ô, ô!...
Os dois, ali, parados. Muito a dizer... Porém (ai, porém!... , que é aí, no porém, que dói...), do fundo do bloco uma voz ecoou: – “Olha o furacão aí, gente!...” Quê?... Furacão?... No Carnaval?... – “Oba!”, chegaram a se animar, uns e outros... Realmente, lá estava, no alto do Morro da Guia, a bandeira rubro-negra: se não o símbolo, o aviso de um furacão!
Para Agtos e Lora (e para a cidade toda!), hora de decisão!... Tinham pouco tempo!... Ela rasgou a fantasia, resolveu contar tudo: – “Não queria te trair! Mas, é que não resisto... Esses refrigerantes, esses chocolates, tudo encharcado de hormônios, me deixam assim...” Agtos precisava voltar ao dique. O serviço estava incompleto, um furacão se aproximava. Talvez não se vissem mais... Decidiu ser magnânimo: – “Lora, só dá tempo mesmo pra isso: eu a perdôo!... Preciso voltar à minha trincheira!...” Lora sacou da manga rasgada de sua colombina sua última cartada: “Não, venha comigo! Descolei vaga de faxineira num transatlântico. Tem uma pra você, de carregador de piano. Ou, de bagagens. Ou, de seja lá o que for...”
As casuarinas farfalhavam, escandalosas, buscando no ar a água doce que sumira do solo. O sol já fechara suas persianas, abandonara o salão. O céu trocara a fantasia de Carnaval pela de Halloween, uma pista do que vinha por aí... Lora fez um último apelo (ela tinha esse lado dramático...): – “Vamos embora! Não há mais lugar para nós aqui!” Agtos olhou à sua volta: do bloco, só migalhas... Ela reforçou: – “Vem! Daqui a pouco não haverá nem mesmo o lugar...”
Agtos indignou-se: – “Este sempre foi o meu lugar!... Seja frio ou quente, não me importa!... É só questão de regulagem!...”

Lora olhou bem nos olhos dele, fez seu muxoxo preferido e, com um sorriso cambaio, encandiu: – “Agtos, vo-cê-não-es-tá-re-gu-lan-do-bem...”
E regulando bem o rebolado, foi-se, para nunca mais voltar...
Agtos (seja esse, ou não, um final feliz...) ficou.

2 Comments:

Blogger Madalena Barranco said...

Querido escritor Aguinaldo, um conto de amor entre o Fogo e a Água, que se amam, mas não podem se misturar - mesmo sendo Agtos filho de um pescador, de um homem de água... Em um canto atemporal em defesa da ecologia e das belezas naturais de Cabo Frio. Isso sem falar, que é sensível forma de homenagear o patrono do concurso. Abraços e parabéns!

3:34 PM  
Anonymous Anônimo said...

Parabéns Guina. Adorei a perspectiva futurista tupiniquim! Quem sabe no livro não encontro uma miragem niteroiense?! Sucesso!
bjs
Cynthia

8:53 AM  

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