7.4.07

O Filho do Pescador...

O Filho do Pescador da Ilha de Cabo Quente

Aguinaldo Araújo Ramos

“A história é quase a mesma. O tempo é que é outro.
Mas também poderia ter acontecido no século XIX.
Mudou o ambiente, mas podia ser em qualquer lugar.
Em Copacabana, por exemplo, se ainda existisse...
Ora, Teixeira e Souza não teria contado melhor?”
[de um indignado leitor da época]


Um dia, Lora apareceu no alto da ladeira, protegendo, com certo charme, os olhos. Via-se que era náufraga de histórias escusas e escolhas obscenas. Talvez, de um cruzeiro marítimo que se aliviara de contra-pesos... Típica personagem de folhetim, mantinha a pose. Arrastou o dedo elegante pelo queixo arredondado, observou a gota virar fumaça no ar: – “O dia vai ser quente!”. Agtos, o filho do pescador, tirou por um instante os olhos do mar. O que bastou para que, teimosamente, se fixassem na repentina sereia. Sentiu aquele calorão... Certamente passaria dos 45 graus, o dia. – “Verão é assim, tal qual amor: começa quente!...”, respondeu, analítico. – “Sei, sinto aqui por dentro...”, ela anuiu, desmilingüindo-se elegantemente.
Agtos ofereceu uma aba de sombra, puxada da parede de sua casa de plástico. Olhou uma última vez na direção da Ilha de Búzios. O mar, chumbado, era de um azul enorme. Relanceou o olhar à sua volta. Crestava-se, quieta ao sol, a Região das Ilhas, a antiga Região dos Lagos... E, logo ali ao lado, brilhava a loura Lora... O dia seria quente!...
O receptor estava ligado e mudo: o Controle de Navegação não tinha notícias. O barco de seu pai sumira dos radares. – “Aquele banheira não agüentaria uma tempestade de três dias...” Lora ouviu a história, ofereceu apoio: – “O que você quiser...” Arrepiou nele, coluna acima, um calafrio. Até bom, era tanto o calor!...
E o velho, sumido... Não voltaria mais?... Jónson era dos últimos pescadores artesanais da Ilha do Cabo Quente. Gostava de sair com o barquinho, buscar (quando arrumava freguês, alguém com saudade de segurar) os peixes que escapassem às gigantescas usinas pesqueiras oceânicas. Velho teimoso! Pena que não duram para sempre...
Como que se desviando dos raios mortais do sol do meio-dia, Lora, remexendo o corpo torneado, chegou à sombra. – “Eu espero com você...” Agtos se emocionou, fez que tirava o suor dos olhos. – “Tá demais essa luz! Entra...”, ofereceu-lhe a casa. De algum jeito, Lora ajudaria... – “Ele volta.”, ela tentou animar. Agtos navegava no real: – “Difícil escapar deste monstro de mar...”.
O velho Jónson não voltou. Lora, disponível, foi ficando... Agtos se acostumou com a troca. Também, com aquele calor!...
Aliás, a Ilha do Cabo Quente, nesse começo de 2107, merecia o novo nome. Por volta de 2085, o mar foi tomando o caminho do Peró, até que completou o cerco. Criou uma ilha, com a cidade, protegida, dentro. Agtos chegou a ver as ondas arrebentando, a pancadas, as casas de luxo, e desfazendo ruas a enxurradas. Muito antes, nas violentas ressacas da década de 2070, desfizera-se a antiga lagoa de Araruama. As ondas levaram de início, da restinga de Massambaba, a parte próxima à atual Ilha do Arraial do Cabo. Depois, o restante. Em lugar das Dunas, um largo canal separava, agora, as duas novas ilhas.
Contando a Lora, Agtos ainda zonzeava: – “Pra onde terá ido toda essa areia? Para a África?...” Lora, entre outras maneiras de dar, dava de ombros... Desinteressava-se desses assuntos antigos, gostava mesmo de coisas (e gente) novas. O clima continuava esquentando...